Morais Cardoso

Leia a última parte da emocionante história de Isadora ouvindo a música abaixo para emocionar-se ainda mais.

 

“Querido Henrique,
Escrevo esta carta a você do fundo de meu coração e espero que você compreenda o que me levou a escrevê-la. Na realidade, hoje é dia 1º de fevereiro e em dez dias você fará doze anos. Como é grande a alegria em saber que logo você será um homem e, mesmo sem saber o que acontecerá até lá, já tenho muito orgulho de você e sei que no futuro terei ainda mais.
Espero entregar a você esta carta no seu aniversário de 18 anos, acredito que até lá você estará maduro o suficiente para talvez entender o que aqui está escrito. Resolvi compartilhar um pouco com você a minha história... Ou, a nossa história.
Nasci em uma família pobre, aqui mesmo no sertão do Piauí, o nome de meu pai é Jordão e da minha mãe Hortência. Ela sempre foi muito boazinha, de fala serena... Meu pai também era bom, mas sempre teve o gênio forte, era muito rigoroso. Eu gostava muito de estudar e esse era o orgulho dele, ele sempre achou que um dia eu seria uma doutora, ele falava isso com orgulho, mesmo com as pessoas sempre rindo dele por isso... Eu sempre gostei dessa ideia, queria mesmo ser médica naquele tempo. E mesmo com nossas diferenças, éramos extremamente unidos.
Aos 14 anos, me apaixonei por um rapaz, também da minha idade, chamado André. Eu escondi isso do meu pai, pois sabia que ele desaprovaria. Passado um tempo, me entreguei a ele, por amor. Algumas semanas depois, percebi que meu corpo estava estranho, algo de diferente estava acontecendo comigo. Percebi que poderia estar grávida.
Tive muito medo. Contei primeiro para André, mas ao contrário do que eu imaginava, ele me abandonou, dizendo que eu não era moça de respeito. Duvidou até mesmo se essa criança era mesmo filho dele. Foi uma grande decepção.
Esperei o tempo que pude para contar aos meus pais, minha mãe até desconfiava... Um dia então, chamei-os e contei a verdade. Mesmo com tanta rigidez, eu tinha certeza que ao menos meus pais me apoiariam, mas, não foi isso que aconteceu. Fui expulsa de casa. Aguentei humilhações e os vizinhos zombaram muito, principalmente de meu pai, disseram a ela que a tal “doutora” tinha aprontado um filho... Me chamaram de todos os nomes terríveis imaginados... Estava arrasada.
Meu pai me expulsou brutamente de casa, peguei uma muda de roupas e parti. Já estava quase no oitavo mês de gestação.
Andei muito pelas estradas de terra, por várias horas, até que comecei a sentir fortes dores, dores realmente insuportáveis, estava em trabalho de parto. Estava escuro, tive muito medo. Mas eu sabia, não estava sozinha, sei que Nossa Senhora estava ao meu lado, sei que ela me ajudou nesse parto tão difícil. A criança então nasceu, um lindo menino.
Caminhei pela estrada, segurando aquele pequeno bebê em meus braços, e avistei uma linda casa, senti naquela hora que aquele era o lugar ideal para criar uma criança, confiei em Nossa Senhora e coloquei ali o bebê. Uma senhora então o pegou, senti uma dor em meu coração e comecei a chorar.
Caminhei sozinha, perdida, passei fome e frio, até que encontrei um restaurante na estrada. Implorei por comida, não me deram. Até que um bondoso padre me ajudou. Ele me deu abrigo e comida. Ajudei na paróquia, cuidando de crianças abandonadas e resolvi partir, pois sabia que aquele não era meu lugar. O padre me deu esta linda imagem de Nossa Senhora quando eu parti, essa mesma imagem que você sempre me pede e que sempre rezamos juntos.
Voltei para a estrada, mas não me sentia abandonada como pela última vez. Eu sabia que estava fazendo a coisa certa. Ao retornar para a mesma casa onde havia deixado o meu bebê, encontro, para minha surpresa, uma placa que dizia: ”Precisa-se de empregada e babá”, beijei Nossa Senhora e fui até lá imediatamente. Era a chance de estar com meu bebê novamente.
Este bebê, Henrique, é você. Eu sou sua verdadeira mãe... Sinto muito pela forma como te contei... Não espero que você compreenda, mas saiba que fiz de coração, sei que você jamais teria as oportunidades que teve e terá se não fosse por essa difícil escolha. Me desculpe, Henrique...
Nunca contei este segredo a ninguém, nem mesmo a Aracy.
Sempre fiz e faço tudo por você, Henrique. Agradeço a Deus e a Nossa Senhora todos os dias por essa oportunidade maravilhosa de estar com você todos os dias de minha vida.
Não sei se estarei ao sempre do seu lado fisicamente, mas saiba que, espiritualmente, estarei sempre do seu lado. Jamais irei te abandonar, mesmo com os infortúnios do destino.
Henrique, desejo-lhe tudo do melhor. Independente do que vier a se tornar no futuro, faça tudo com amor. Não se preocupe se alguém algum dia lhe disser algo que lhe desagrade, lembre-se, construa seu castelo com as pedras que encontrar em seu caminho. Não desanime nunca.
Estou muito feliz, Henrique, pois o vi crescer e tornar essa linda criança que hoje vejo e sei que se tornará uma pessoa maravilhosa. Com a minha ajuda e de Aracy sei que se tornará uma grande pessoa.
Acredite sempre em você e saiba que eu estarei sempre ao seu lado. Eu te amo muito e te amarei eternamente.
Espero estar ao seu lado para poder te abraçar muito quando lhe entregar esta carta, caso eu não esteja por algum infortúnio do destino, basta olhar ao seu lado que estarei mesmo assim.
Fiz um fundo falso na imagem de Nossa Senhora para guardar essa carta até o dia de seu aniversário de 18 anos, quando, sei que de alguma forma, você a receberá.


Estarei sempre ao seu lado.

Com amor,
Isadora”

Henrique desmanchou-se em prantos.

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Henrique formou-se em medicina com honras no ano de 1993. Aracy o acompanhou em sua formatura e veio a falecer de morte natural quatro anos depois. Ela nunca soube a verdade sobre Isadora.
Henrique voltou a sua cidade natal depois de formado e dedica-se desde então a cuidar das crianças mais pobres de sua região, principalmente filhos de mães adolescentes. Ele também atende no mesmo hospital em que sua mãe, Isadora, veio a falecer, anos antes.
Ele procurou por seus avós maternos durante anos, sem muito sucesso. Anos depois, no hospital em que ainda trabalha atendeu um casal de idosos: seu Jordão e dona Hortência.


FIM.


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